“Nenhuma estrutura colapsa instantaneamente”, diz especialista sobre Brumadinho

Mais uma vez a falta de gerenciamento de risco causa mortes e prejudica o meio ambiente. O rompimento da Barragem 1 da Mina Feijão, em Brumadinho (MG), que aconteceu no dia 25 de janeiro, já está na lista dos maiores desastres do Brasil.

Os reflexos econômicos e ambientais podem levar algum tempo para serem calculados em sua totalidade. As ações da mineradora, por exemplo, caíram mais de 18% na última segunda-feira, 28 de janeiro. Já no dia seguinte, após a tragédia, a Justiça mandou bloquear R$ 11 bilhões da Vale para cobrir danos em Brumadinho.

Em entrevista exclusiva à Revista Seguro Total, Reginaldo Lapa, Sócio Diretor na Riskex – Soluções em Gestão de Riscos,  engenheiro de segurança do trabalho e especialista em gerenciamento de riscos com mais de 30 anos de experiência no setor, afirmou que é inadmissível ter ocorrido mais um desastre da mesma espécie em tão pouco tempo. Ele ponderou ainda que nenhuma estrutura de engenharia colapsa instantaneamente.

Quem deve ser penalizado pelo desastre?

A responsabilidade é solidária, pois cada um tem sua parcela de contribuição. Existem duas camadas de responsabilidade: a direta e a indireta. A direta é de quem faz parte da gestão profissional, monitores e outros profissionais da área operacional. A segurança precisa de investimento e isso não está na mão de quem opera e sim de quem investe, isto é, os responsáveis indiretos.

Quais são os próximos passos que as autoridades competentes devem fazer?

Neste momento, toda atenção deve estar voltada no suporte às vítimas. Em paralelo é necessário identificar adequadamente o que aconteceu, investigar como ocorreu e identificar as causas. Além disso, é necessário se munir com questões de cunho legislativo. Rever a regulamentação de construção e endurecer a legislação que rege e permite esse tipo de obra.

O poder público aprendeu alguma lição com o desastre de Mariana em 2015?

Provavelmente não. Após o ocorrido em Marina é inaceitável acontecer outro de natureza semelhante e em tão pouco tempo. Não era de se esperar que ocorresse no mesmo estado e com o mesmo tipo de barragem como o de Mariana. Devemos atribuir isso às partes responsáveis. Cada setor envolvido deveria fazer seu mea culpa.

 

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Quem produz o relatório de segurança das barragens?

A maioria das empresas grandes terceiriza esse serviço. No caso da Vale foi uma companhia alemã (TÜV SÜD) responsável por produzir o relatório de segurança.

O que tem na lama que pode prejudicar a saúde dos moradores?

A lama não é tóxica para o ser humano.  A maioria dos minérios de ferro não tem componente químico. O que pode ocorrer é que quando toda a lama secar os moradores daquela região respirem poeira sílica, o que é prejudicial à saúde.

Já a dor emocional é muito forte. O drama que os moradores estão vivendo jamais será recuperado, pois foi uma perda enorme. Não há dinheiro que pague.

Quais são os impactos no meio ambiente?

O meio ambiente certamente foi o mais prejudicado. Ocorreram perdas de vegetação, fauna, flora e muitos peixes morreram, além de ter um impacto socioambiental muito forte.

Os moradores de Brumadinho sabiam que corriam risco?

Existe um alarme nessas cidades que avisa quando o local está em risco eminente. Porém, será que os moradores tinham conhecimento? Isso deve fazer parte do plano de emergência de uma cidade como a de Brumadinho.

O presidente da Vale, porém, afirmou que a tragédia o pegou de surpresa. Isso é possível?

É impossível. Nenhuma estrutura de engenharia colapsa instantaneamente. A não ser que tenha havido um terremoto no local, que não é o caso. Se sua casa, por exemplo, está prestes a desmoronar, você vai perceber rachaduras no teto e nas paredes. O mesmo ocorre com estas estruturas: elas dão aviso e sinalizam alguma anormalidade e, se adequadamente monitorado há como identificar esses sinais.

O que então deveria ser feito para evitar o desastre?

Uma barragem daquela deveria ter um plano de emergência, um gerenciamento de risco de alto potencial, que iria detectar o sinistro e preveni-lo. Existem controles que são classificados como Controles de Primeira Resposta: um conjunto de medidas que pode indicar sinais de que algo está para ocorrer e assim se tem tempo de remover pessoas e equipamentos diminuindo as consequências quando o fato ocorre. Estes controles devem ser parte do gerenciamento de risco de cenários como este que tem alto potencial de consequência quando um evento indesejado ocorre. 

Haja vista a barragem de Mariana, a ocorrência de Brumadinho foi uma tragédia anunciada?

Dizer que foi uma tragédia anunciada é muito forte. Se eu tivesse lá, com certeza colocaria minhas “barbas de molho”. Este deve ser um momento de reflexão. Temos duas maneiras de aprender: a primeira é com o erro dos outros, e a segunda é aprender apanhando. O exemplo de Mariana gerou aprendizado para evitar catástrofes? Provavelmente não, porque acabou se repetindo em pouco tempo.

“Acidentes são lamentáveis! Não aprender com eles é imperdoável!”

Vitor Guerra