Política: Governo mais fraco, Centrão mais forte

Política: Governo mais fraco, Centrão mais forte

Fonte: Bom dia, Mercado, escrito por Rosa Riscala e Mariana Ciscato

Sem indicadores hoje na agenda externa, os mercados em NY continuam se pautando pelos receios de que a inflação fuja ao controle e ameace a forte recuperação da economia. Hoje são importantes as falas da secretária do Tesouro, Janet Yellen (10h), e do Fed boy Randal Quarles (16h). Aqui, o IPCA-15 abaixo do previsto acomodou as apostas nos juros, embora Campos Neto tenha admitido que o BC poderá mudar a orientação do ajuste parcial, se for necessário. O maior desafio continua sendo o quadro fiscal, com as contas públicas cada vez mais nas mãos do Centrão.

Além da pressão iminente para estender o auxílio emergencial, já admitida por Rodrigo Pacheco e Paulo Guedes, as notícias do Planalto continuam causando preocupação, como a portaria que regulariza o “orçamento secreto”.

A norma, assinada pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo), define para as chamadas emendas de relator (RP9) regras semelhantes às existentes para as emendas individuais e de bancada.

No Estadão, na prática, o governo dá permissão formal aos parlamentares aliados para indicarem R$ 18,5 bilhões do Orçamento de 2021 a seus redutos eleitorais, driblando critérios técnicos exigidos por lei no ano passado.

A portaria, publicada ontem no Diário Oficial, tenta afastar questionamentos legais do TCU do uso dessas verbas.

O esquema do orçamento secreto foi elaborado com as verbas de 2020 e denunciado em ofícios que provam um desvio de, ao menos, R$ 3 bilhões do MDR favorecendo um grupo limitado de deputados e senadores.

Grande parte desse dinheiro será usada para a compra de tratores a preços até 250% acima da tabela de referência do governo, razão pela qual o esquema ganhou o nome de “tratoraço” nas redes sociais.

A ala política do governo já havia tentado formalizar essa indicação dos recursos na LDO de 2020 e 2021, mas o dispositivo foi vetado a pedido da Economia e mantido pelo Congresso. Agora, o próprio Guedes assinou a norma.

A percepção de que o ministro amplia as concessões causa insegurança no mercado em relação à sua posição inicial de âncora fiscal do governo Bolsonaro, sobretudo, com a proximidade do ano eleitoral de 2022.

Ontem, ao deixar o evento do BTG Pactual no final da tarde, Guedes admitiu que, “se a pandemia continuar, temos que ir renovando as camadas de proteção”. O governo já prepara uma PEC para prorrogar o auxílio emergencial.

O ministro pretendia usar o tempo dessa nova rodada do benefício para reformular o Bolsa Família, que precisa ser lançado até dezembro, ou acabará engavetado, pois a lei veda a adoção desse tipo de medida em ano de eleições.

Técnicos da equipe econômica resistem à prorrogação do auxílio emergencial, defendendo uma MP para um novo programa temporário, mais enxuto que o auxílio, que serviria de ponte até a reformulação do Bolsa Família.

Para isso, seria necessário assegurar recursos dentro do teto de gastos, o que parece cada vez mais difícil.

 

Segurando a peteca

No evento do BTG, Paulo Guedes reconheceu que a sua vida não tem sido um passeio no parque. “Antes de entrar no governo, eu achava tudo muito fácil, não é bem assim”, brincou o ministro.

Mas, em que pesem os atritos com o Congresso, em especial, com os aliados, ele mantém o discurso otimista. “Se o Caged criar 200 mil empregos, será um milhão no primeiro quadrimestre, com o BIP podemos criar 2 milhões”, o “PIB vai crescer 5% este ano” e “a arrecadação em alta derrubará o déficit de R$ 280 bilhões para R$ 180 bilhões.”

Paulo Guedes disse que o Brasil está “barato” para investidores, afirmando que os “gringos que entrarem agora no Brasil, com o dólar perto de R$ 5,50, poderão sair com a moeda a R$ 3, em dois ou três anos”.

O problema é que esse entusiasmo depende não apenas do impulso do exterior favorável, com o novo boom das commodities, que se segue ao pós-pandemia, mas também de o País estar preparado para entrar nessa festa.

E as reformas avançam muito timidamente para valer o risco de um populismo fiscal que tende a aumentar com as eleições em 2022 e elevar as pressões por mais gastos, com Bolsonaro em desvantagem nessa corrida.

No BTG, Guedes disse que a reforma tributária será simples, “a que dá para fazer”, voltou a falar em reduzir o IPI dos eletrodomésticos e num “passaporte tributário”, com desconto de até 70% para as dívidas dos pequenos empresários.

No Valor, Guedes quer retomar discussões para emplacar a volta de imposto sobre transações financeiras.

Na área econômica, acredita-se que o presidente Bolsonaro não se oporá à ideia, se a alíquota for de até 0,1%.

 

Amigos, amigos, negócios…

No mesmo evento do BTG Pactual, ao comentar as pesquisas, Arthur Lira não se constrangeu em dizer que Bolsonaro está “em seu pior momento de governo” e Lula, “em seu melhor momento”.

O presidente da Câmara também não acredita em terceira via para a disputa ao Planalto, no ano que vem, acha que os dois candidatos “vão convergir para o centro, e o centro vai escolher qual o melhor para governar em 2022”.

Lira ainda defendeu a decisão do STF de anular as condenações de Lula: “Ele acertou, houve excessos na Lava Jato”. É como todo mundo sabe: o Centrão gosta de governo fraco, porque fica mais forte para cobrar mais por seu apoio, até que, no final da história, desembarca da canoa furada. Cada vez mais, Bolsonaro está refém da sua base.

 

O velho cabidão

É nessa que o presidente, que já não é muito fã da economia de mercado, vai abrindo espaço aos aliados nas estatais, com passe livre agora no Banco do Brasil, como se viu ontem, no caso da Previ.

A renúncia do presidente do maior fundo de pensão do País, José Maurício Coelho, está sendo associada a pressões do Centrão, que reivindica postos-chaves, segundo bastidores que várias mídias apuraram.

A mudança se dá poucas semanas depois que a Caixa trocou a diretoria da Funcef, fundo de pensão dos funcionários do banco. Coelho teria antecipado sua saída com rumores de que seria substituído, segundo o Broadcast.

Antes dele, o ex-presidente do BB André Brandão e da Cielo Paulo Caffarelli tomaram o mesmo rumo, temendo uma fritura pública, o que se tornou praxe àqueles que não são considerados aliados do Planalto.

A expectativa é de que um nome para a Previ seja anunciado até o fim desta semana. A indicação fica a cargo do presidente do BB, Fausto Ribeiro, que acaba de aprovar a cisão da vice-presidência de Governo e Agronegócios.

O Banco do Brasil e suas coligadas têm sido cobiçados, em especial, pelo PP, de Ciro Gomes.

A renúncia de José Maurício Coelho, anunciada no meio do pregão, ampliou a queda das ações do BB e respingou na Petrobras, outro alvo de ingerências políticas, em função de sua política de preços dos combustíveis.