Euler Hermes divulga relatório sobre os efeitos da pandemia na economia

Euler Hermes divulga relatório sobre os efeitos da pandemia na economia

Economistas da seguradora analisam o aumento da inflação e dos preços de energia e alimentos, que podem gerar maior desigualdade social

A Euler Hermes, tem acompanhado de perto os impactos da pandemia na economia em todo o mundo. Em relatório divulgado na última semana, a seguradora aponta que a pandemia exacerbou as desigualdades estruturais existentes nos mercados de trabalho da América Latina.

A maior proporção de trabalhadores economicamente vulneráveis e a predominância do setor informal, cujos trabalhadores não têm acesso a licenças ou seguro-desemprego, fez com que as perdas de emprego e renda atingissem mais duramente os trabalhadores menos qualificados e sem instrução. “As diferenças ocupacionais preexistentes em termos de gênero e idade se traduziram em maiores disparidades e vulnerabilidades futuras, uma vez que o trabalho doméstico adicional e responsabilidades de cuidados recaiu sobre as mulheres”, explica a economista do time global da Euler Hermes, Patrícia Romero.

Como resultado, a Figura 1 demonstra a queda acentuada do total de horas semanais trabalhadas para a população, uma medida da dinâmica da força de trabalho, na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru. A maior contração em 2020 foi observada no Peru (-27% a/a), enquanto a Argentina e a Colômbia registraram um declínio de -21% a/a. O México viu uma queda acentuada de -12% a / a após seis anos de crescimento positivo. Em termos de taxa de emprego, a história é semelhante: o Peru teve queda de quase 12 pp, enquanto no Chile a taxa de emprego foi -6,5 pp menor e no Brasil -4,6 pp menor.

Figura 1: Crescimento da razão entre o total de horas semanais trabalhadas e a população (de 15 a 64 anos), crescimento em%

 

 

 

 

 

Fontes: Datastream, ILO, cálculos do autor

 

Tabela 1: Taxa de emprego

 

 

 

 

 

Fontes: National statistical offices, Datastream, Allianz Research

 

Agora, segundo a economista, um aumento alarmante da inflação ameaça “jogar sal na ferida”, já que os gastos com comida e combustível como porcentagem do consumo total são exorbitantes na região. “Como resultado, estimamos que 80 milhões de pessoas, ou 18% da população total nas seis maiores economias latino-americanas, correm o risco de cair abaixo da linha da pobreza”, prevê Romero.

Os gastos com alimentos e combustível, como porcentagem do consumo total, variam de 32% no México a 53% na Argentina (nos EUA é de 12%, – Figura 2). Nos anos 2000, o aumento dos preços das commodities ajudou a reduzir a desigualdade de renda na América Latina, criando uma maior demanda por mão de obra agrícola e mineira, aumentando, por sua vez, o emprego e os salários de baixa qualificação. No entanto, o recente aumento da inflação, vindo após níveis históricos de liquidez serem injetados nos mercados financeiros em resposta à crise, já forçou países como Brasil e México a “apertarem o cinto” e aumentar as taxas de juros: agora estão em 4,25 % em ambos os países.

Tabela 2: Folga da política monetária

 

 

 

 

 

Fontes: Datastream, bancos centrais, Allianz Research

 

Aumentos com energia e alimentos

Desde a crise financeira de 2008, os gastos combinados com energia e alimentos aumentaram de forma constante na Argentina, Brasil e Chile, Colômbia e México. A pandemia, por sua vez, provocou um novo aumento: na Argentina, os preços dos alimentos estão 56% mais altos agora do que em março de 2020 – embora a Argentina tenha lutado com a inflação geral por um tempo.

No Brasil, a comida é + 17% mais cara do que no início da pandemia; a Colômbia viu um aumento generalizado de + 12%, enquanto o México enfrentou + 7% e o Peru + 5,5%. Apenas o Chile manteve o aumento de preços relativamente controlado (+ 5,8%).

“Ainda esperamos que os preços das commodities se consolidem no futuro, principalmente porque a oferta deve aumentar (OPEP + aumento de produção, xisto dos EUA se recuperando, acordo com o Irã). A partir do quarto trimestre, acreditamos que os preços ficarão estáveis”, afirma a economista.

Figura 2: Despesas com alimentos e combustível como% do consumo total

 

 

 

 

 

Fontes: EIU, Allianz Research

 

Custo de vida elevado

Ao mesmo tempo, a renda disponível sofreu uma queda generalizada na amostra da seguradora. Essa diferença entre o aumento da inflação e o crescimento da renda disponível cria uma pressão sobre o custo de vida (Figura 3).

Na Argentina, enquanto a renda disponível diminuiu em -13,1% a/a, a inflação foi de 42%. Embora a Argentina seja um caso especial, no Brasil a renda disponível diminuiu -5% a/a, enquanto os preços aumentaram + 3,2% a/a. No Chile, a inflação foi de 3,0%, enquanto a renda disponível diminuiu -7,7% a/a. Já a Colômbia teve uma situação semelhante com uma taxa de inflação de 3,5%, enquanto a renda disponível caiu -5,8% a/a. A renda disponível caiu no México em -10,4% e a inflação foi marcada para 3,4%. No Peru, a renda disponível caiu -8,7% e a inflação foi controlada em 1,8%.

“Somente em nossa amostra, a linha de pobreza móvel, por causa das mudanças na acessibilidade da cesta básica, põe em risco a posição socioeconômica de 80 milhões de pessoas ou 18% da população total nesses países que ganha entre USD 2 e USD 5,5 (2011 PPC) por dia”, explica a economista.

Patrícia reforça que essa parcela da população é especialmente interessante, pois está logo abaixo da classe média, mas acima da parcela carente da população. Como tal, é um grupo que pode ser arrastado para a pobreza e privação com um choque financeiro e está em risco de redução da nutrição e da segurança alimentar devido ao aumento dos preços da cesta básica de bens. Para referência, a parcela dessa população vulnerável na população total varia de 8,4% na Argentina e 13,4% no Chile até 21,1% no México e 23,3% na Colômbia.

Aumento da fome

Diante desse cenário, a Organização para Agricultura e Alimentação (FAO) estima que mais de 42,5 milhões de pessoas podem passar fome na América Latina, o equivalente a toda a população da Argentina, ou o dobro do Chile. Portanto, o documento reforça que não é surpreendente que haja um aumento de governos de esquerda que prometem resgatar as populações da “armadilha da pobreza neoliberal”, mas fazem muito pouco para traçar um caminho confiável que cumpra essas promessas.

 

Figura 3: CPI e lacuna de crescimento da renda disponível, em pp y / y

 

 

 

 

 

 

Fontes: Datastream, EIU, IMF, cálculos do autor

Como os formuladores de políticas podem tirar a América Latina da estagnação para sempre? No curto prazo, o documento aponta que o mais importante será o crescimento econômico da situação externa favorável. Segundo os economistas, os preços dos produtos agroalimentares e de outras commodities resistiram à crise relativamente bem e começaram a se recuperar no último trimestre de 2020.

“Tanto do lado da oferta quanto da demanda, podemos esperar que os preços das commodities continuem altos este ano. Se será outro “superciclo” estrutural como o dos anos 2000 ainda está para ser visto, mas há uma oportunidade de reconstruir o crescimento sustentável criando oportunidades para investimento estrangeiro direto para ajudar na transição verde por meio de programas de investimento em todo o mundo”, acredita Romero. Segundo a economista, aproveitar as fases de expansão nos Estados Unidos, China e Europa proporcionaria um impulso muito necessário para o crescimento econômico latino-americano.

Figura 4: Crescimento dos preços das commodities, em% (a / a)

 

 

 

 

 

 

Fontes: Bloomberg, Allianz Research

No entanto, uma condição necessária para que o investimento privado gravite em direção à América Latina é um ambiente de negócios estável e estabilidade política. O populismo e as narrativas divisionistas não ajudam a diminuir a distância entre ricos e pobres em uma das regiões mais desiguais.

“É importante que os tomadores de decisão na região se concentrem em salvar vidas e manter a paz no curto prazo, bem como estabelecer as bases para o crescimento econômico pós-pandemia, emprego inclusivo e redução da pobreza”, afirma.

Pensando a longo-prazo, o foco em reformas, educação e produtividade é essencial. A história da região indica que, durante o boom das commodities dos anos 2000, os incentivos e o impulso para novas reformas foram minados. Portanto, deve haver um enquadramento cuidadoso das reformas e os tomadores de decisão precisam trabalhar para construir a confiança da população para que essas reformas sejam adotadas.

Os economistas lembram que projetos fiscais e de saúde propostos na Colômbia, por exemplo, não foram bem recebidos porque a percepção da população era de que não seria benéfico para eles expandir a base tributária, mas apenas deixá-los mais pobres. No entanto, no Chile, uma nova constituição foi recebida de braços abertos porque foi percebida como uma melhoria da atual, que estava contaminada com um legado que o país preferia deixar no passado.

Os investimentos em educação também devem ter destaque em uma recuperação pós-pandemia. Na década de 2000, a lacuna de matrículas no ensino médio entre famílias ricas e pobres na América Latina era de 12 pp; na década de 2010, a diferença foi reduzida para 8 pp (Figura 5).

Por fim, a economista explica que essa melhora está em risco como consequência da pandemia. “Com a queda da renda, as famílias podem se sentir estimuladas a aumentar a oferta de trabalho, bem como a ter seus filhos incorporados ao mercado de trabalho. No entanto, este aumento na oferta de trabalho pode reduzir os salários e impedir a mobilidade social dos jovens, caso sejam retirados da escola, colocando-os em risco de cair na armadilha da pobreza”, acredita.

O maior acesso à educação pode ajudar a preencher a lacuna de competências, impulsionar a inovação e criar um crescimento mais inclusivo de que a América Latina tanto precisa.

Figura 5: Diferenças nas taxas de matrícula entre as famílias mais ricas e as mais pobres

 

 

 

 

 

Fontes: United Nations Education, Scientific and Cultural Organization; and World Bank