Dez anos depois, como estão os desdobramentos do processo da Boate Kiss?

A tragédia na Boate Kiss ocorreu no dia 27 de janeiro de 2013, na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Tudo se iniciou quando um dos integrantes da banda, que tocava na casa noturna, acendeu um artefato pirotécnico, atingindo parte do teto, forrado com espuma acústica. O fogo começou no palco da boate e logo se alastrou, provocando muita fumaça tóxica. O incêndio matou 242 pessoas e feriu outras 636. A ocasião, que matou principalmente jovens, marcou a cidade de Santa Maria, conhecido pólo universitário gaúcho, e abalou todo o país, pelo grande número de mortos e pelas imagens fortes. O local tinha apenas uma porta de saída desobstruída.

 

Este trágico episódio, traz à discussão o papel que o mercado de seguros pode desempenhar na proteção de bens e vidas. O incêndio na boate elucida as funções do seguro, resseguro, e a qualidade das regulações de sinistros e aceitação e subscrição de riscos. Estima-se que uma indenização de seguro de responsabilidade civil, inclusive considerada como a cobertura mais importante para a boate, renderia a cada família das vítimas cerca de R$ 1 milhão. Na contratação do seguro multirrisco empresarial, que deveria ser o caso por parte dos donos da boate Kiss, as seguradoras realizariam previamente inspeções e verificariam os fatores que agravam situações de risco como explosão, incêndio, roubo, vendaval etc. A verificação dessas situações ajuda a companhia a determinar o preço final do seguro e serve como sinal de alerta para o estabelecimento que quer contratar a garantia. Na boate onde houve o incêndio, certamente, um fator que teria sido identificado numa inspeção de risco feita pela seguradora seria a utilização de material inflamável na cobertura do palco bem como a existência de uma única entrada/saída normal e, ao que parece, inexistência de saída de emergência.

 

A Boate Kiss funcionava sem estar em dia com o alvará de Plano de Prevenção de Combate à Incêndio, concedido pelo Corpo de Bombeiros, portanto, legalmente, não poderia funcionar. Os bombeiros teriam feito uma série de exigências e recomendações para que o local pudesse voltar a funcionar plenamente. Tal fato já seria suficiente para negar a indenização, caso a boate estivesse segurada. Mas além disso, há perda de direito à indenização sempre que o segurado agrava intencionalmente o risco. Foi o que de certa forma ocorreu, já que foi contratada uma banda que, além de tocar música, soltava fogos de artifício num palco em ambiente fechado.

 

Poucos dias após o incêndio, o procurador-geral de Justiça expediu uma recomendação a todos os promotores do Rio Grande do Sul para que exigissem dos “órgãos estaduais e municipais a fiscalização imediata de estabelecimentos e eventos, públicos e privados, de qualquer natureza, onde haja aglomeração de pessoas”. Um mês depois, o procurador-geral recebeu da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) um abaixo-assinado com mais de 28 mil assinaturas pedindo apoio do Ministério Público em busca por Justiça.

 

Em maio de 2013, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) revoga a prisão preventiva dos quatro acusados por unanimidade, que passaram a responder ao processo em liberdade. Em 18 de junho de 2019, após anos de encaminhamento do processo, que também resultou no arquivamento de ações contra os entes públicos, a 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os quatro acusados –os dois sócios e os dois integrantes da banda– fossem a júri popular. O julgamento em si só começou em 1° de dezembro de 2021, terminando no dia 10 do mesmo mês, com condenações por dolo eventual.

 

As penas foram estabelecidas da seguinte maneira:

  • Elissandro Callegaro Spohr: 22 anos e 6 meses de prisão
  • Mauro Londero Hoffmann: 19 anos e 6 meses de prisão
  • Marcelo de Jesus dos Santos: 18 anos de prisão
  • Luciano Bonilha Leão: 18 anos de prisão

 

Porém, oito meses depois das condenações, o julgamento foi anulado pela 1ª Câmara Criminal do TJ-RS, libertando os quatro réus. A defesa deles pediu redimensionamento das penas, alegando nulidades no processo e na solenidade, além de considerarem que a decisão não correspondeu às provas levantadas. No caso de essas instâncias rejeitarem um pedido do MP — Supremo Tribunal Federal (STF) ou Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o processo seguiria como está agora e um novo júri seria marcado. Se acatarem o pedido, ou seja, mantendo as prisões, a defesa dos condenados ainda poderia recorrer.

Fontes: CNN Brasil e Sindicato das Seguradoras no Rio Grande do Sul