Enquanto o setor agroalimentar, em 2023, sofrerá fortes impactos decorrentes da guerra na Ucrânia, os países que compõem o continente latino-americano precisarão administrar índices elevados de inflação e haverá complicações climáticas com a transição de La Niña para um possível El Niño. Estas foram as principais conclusões do webinar “Setor Alimentar Global: Oportunidades e Riscos”, capitaneados por Patrícia Krause, economista da Coface América Latina, e Simon Lacoume, economista do Grupo Coface, especializado no setor agroalimentar.
O objetivo foi promover debate de ideias e as perspectivas macro e microeconômicas, projeções e tendências, oportunidades e riscos deste setor em cada país da América Latina. Os internautas questionaram os debates, formulando perguntas e esclarecendo suas dúvidas. Lacoume iniciou suas considerações fazendo um alerta: os custos de produção no mundo comprometem o desempenho da cadeia de valor do agro.
Segundo o especialista, a inflação sobre insumos energéticos e químicos (fertilizantes e fungicidas, por exemplo) impactam a agricultura mecanizada e intensiva. As tensões inflacionárias pesam sobre os rendimentos e na produção de cereais, pois “os agricultores têm de equilibrar custos/benefícios entre insumos/saídas”. A elevação dos preços das rações (milho, soja) impactam significativamente os custos da pecuária e impulsionam a alta nos valores da carne, ovos e alimentos processados. “Hortaliças e frutas são atingidas por alta volatilidade nos custos de produção”, considera Lacoume. Neste setor, as tendências de longo prazo sugerem custos crescentes.
O economista traçou um panorama sobre os riscos nos alimentos ao longo de 2023. As incertezas sobre as rotas comerciais na região do Atlântico Norte pesam sobre o comércio global de cereais, que sofreu uma redução de 1,8% em 2022/2023. “A destruição de área de cultivo da Ucrânia pode reduzir a disponibilidade de volume de grãos no mercado global”, adverte Lacoume. Há, ainda, desequilíbrios climáticos e meteorológicos, como fortes estiagens e inundações repentinas.
Aperto monetário e insolvência
“Na América Latina, o impacto defasado do aperto monetário e a menor atividade global afetarão o PIB em 2023”, considerou Patrícia Krause em sua apresentação. Na ótica da economista, a inflação perde força na maioria dos países, mas continuará em níveis elevados no decorrer do ano. Aquelas nações que concluíram o aperto monetário, seus efeitos colaterais serão sentidos mais profundamente até dezembro.
Patrícia adverte: “Juros altos e PIB em desaceleração acendem o alerta sobre o endividamento”. Para ela, insolvência na América Latina também deve aumentar ao longo de 2023. Em relação ao clima, há a incerteza das condições meteorológicas. O setor agroalimentar na região poderá sofrer a transição de La Niña para um possível El Niño.
A economista ressalta que na Argentina, a seca drástica afetará a safra 2022/2023 – terceiro ano de La Niña. “É o pior resultado em mais de 20 anos”, enfatiza. Há quedas sucessivas na safra: a produção de trigo, estimada em 11,5 milhões de toneladas, terá redução de 50% ao ano; o milho, 32 milhões (-37%) e soja em 23 milhões (-45%). “Também se tornou um grande problema para o setor de carne, alertou”. Segundo a especialista, ao contrário de 2022, “desta vez os preços das commodities agrícolas não serão suficientes para compensar o menor volume de produção”.
O cenário no Brasil é diametralmente oposto. De acordo com Patrícia, a safra de grãos 2022/23 deve atingir recorde de 312,5 milhões de toneladas, ou seja, aumento de 14,7% ao ano. As culturas com melhor rentabilidade foram a soja, com 153,7 milhões de toneladas, alta de 22%, e milho, com 124 milhões (+10%). Na safra 2023/24, a cana-de-açúcar deverá ter uma colheita de 637 milhões de toneladas – o maior nível de preços em 11 anos. “O maior crescimento na China poderia favorecer as exportações agrícolas brasileiras”, argumentou Patrícia. (Por Carlos Alberto Pacheco)