Por Lúcio Roca Bragança*
É comum, inclusive em sede jurisprudencial, ouvir-se que o seguro de vida possui “cobertura ampla”, de modo que não importaria se o segurado cometeu atos criminosos, se agravou o risco, ou, quiçá, se prestou declarações pré-contratuais falsas. Tudo estaria coberto, pois os cálculos atuariais feitos pela seguradora para precificação são baseados em tábuas de mortalidade que estimam uma expectativa de vida geral. Assim, os dados utilizados refletiriam as mortes ocorridas nas diversas faixas de idade, contemplando todas as causas de morte, sem excetuar, por exemplo, aquelas decorrentes da prática de atos ilícitos.
Embora teoricamente interessante, o argumento não tem aplicação prática, pois as tábuas de mortalidade não constituem o único fator de precificação para as seguradoras, que se utilizam, também, da sua própria experiência. Ao final de cada período de vigência, é feito o estudo da sinistralidade para detectar e corrigir eventuais desvios, momento em que se saberá “se o montante de prêmios puros arrecadados foi suficiente para pagar o total de sinistros cobertos pelas apólices emitidas”.
Considerar apenas as tábuas de mortalidade como base para a precificação é ignorar princípio “que constitui o cerne da técnica securitária”, que é o princípio da equivalência atuarial, “também denominado por alguns autores como equação fundamental ou equação de equilíbrio atuarial”, segundo o qual, o total dos prêmios puros arrecadados deve equivaler ao total das indenizações devidas.
Conforme ensina a melhor doutrina, “O segurador que não se empenhar em estabelecer uma sólida relação de equivalência entre as indenizações e os prêmios puros tenderá a enfrentar problemas sérios.” Com efeito, se o prêmio puro for menor, poderá se caracterizar a prática de preços predatórios, ou haver insuficiência de provisionamento, ou até mesmo insolvência; por outro lado, se o prêmio puro for maior, poderá estar havendo a cobrança de preço extorsivo e perda de competitividade da seguradora em um mercado bastante acirrado, com margens estreitas .
Que dizer então de exclusões mais autoevidentes, como guerras, acidentes nucleares, ou terremotos? É claro que as tábuas de mortalidade não permitem, ordinariamente, a segurabilidade de tais eventos, pois não são tábuas mágicas. O preço seria excessivo e o risco demasiadamente concentrado – muito melhor selecionar os riscos seguráveis e ter um produto economicamente viável e a todos acessível.
Nestes termos, as exclusões contratuais contidas no seguro de vida, inclusive aquela usual para atos criminosos, não são irrelevantes do ponto de vista econômico e resultam em efetivo benefício para os segurados, que pagarão um prêmio menor. A “cobertura ampla”, pretendida por alguns, serve somente para uma maioria inocente ter de subsidiar os atos delituosos, ou reprováveis, de uma minoria desonesta.
Lúcio Roca Bragança é especialista em Direito do Estado pela UFRGS. Especialista (MBA) em Gestão Jurídica de Seguros e Resseguros pela ENS. Advogado sócio do escritório Agrifoglio Vianna e parecerista na seara securitária.