Nos processos de cumprimento de sentença, em que há a intimação do executado e este efetua tempestivamente o pagamento voluntário, porém a título de garantia do juízo, goza de seu tempo hábil para oferecer sua impugnação, nos termos do art. 525 do CPC. Contudo, é cediço que não houve a satisfação do credito, mesmo tendo valor depositado no processo, podendo ser levantado pelo exequente após todo o trâmite processual.
Nesse sentido, quando assunto é depósito judicial em garantia, muito se aponta acerca da mora do devedor, principalmente em processos de execução que as instituições financeiras constam no polo passivo (i.e., executado), visto ser uma prática comum no intuito de evitar bloqueios e restrições dos ativos financeiros em conta.
Um exemplo concreto: casos de Ação Civil Pública decorrente dos Expurgos Inflacionários e dos Planos Econômicos, como o Plano Verão (1989), em que os poupadores ingressaram com cumprimento de sentença individual em face das instituições financeiras requerendo a aplicação das diferenças apuradas em caderneta de poupança na decisão daquela ação, tendo transitada em julgado em 2011.
No tocante ao cumprimento de sentença do exemplo supracitado, o prazo prescricional se fez até março de 2016, sendo que muitas instituições financeiras efetuaram o depósito em garantia dentro deste prazo, resultando em um grande volume de execuções que ainda percorrem até os dias atuais, não ocorrendo por hora a satisfação do crédito.
Logo, visando a satisfação da obrigação, surge a indagação: o devedor arcará com a mora ou o depósito judicial assim a faz cessar? Deverá incumbir apenas a correção monetária? Isso é uma divergência dos ministros das turmas do STJ, dando novo entendimento ao Tema 677/STJ (REsp 1820963/SP) . Vale lembrar que até o presente momento não houve o trânsito em julgado do Tema em menção, tendo em vista que alguns magistrados aplicam enquanto outros não. Isso será explicado mais adiante.
II – ENTENDIMENTO SUMULADO DO STJ
Em que pese as demandas que ocorrem depósito judicial garantidor, o STJ editou as súmulas 179 e 271, as quais se delimitam apenas na correção monetária do valor depositado em juízo, ficando a correção ao encargo do sujeito depositante (no caso, a instituição financeira executada), não havendo o que se falar em juros de mora. Vejamos o teor:
Súmula 179. O estabelecimento de crédito que recebe dinheiro, em depósito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos.
Súmula 271. A correção monetária dos depósitos judiciais independe de ação específica contra o banco depositário.
Em exegese, as súmulas em menção não apontam aceca dos juros moratórios, mas sim, se limitando apenas na correção monetária a ser aplicada sobre o valor do depósito efetuado.
Diante das súmulas explicadas, cabe afirmar que o Tema 677 do STJ surgiu com base em precedentes nesse sentido, ocasionando divergência entre os ministros da 3ª e 4ª Turmas no tocante à aplicação dos juros de mora quando ocorre o depósito em garantia da parte executada.
Nesse prisma, o entendimento do REsp 1.348.640/RS, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, se embasou na interpretação e aplicação das súmulas em menção, baseando apenas na correção monetária, não levando em conta a aplicação dos juros de mora. Sendo assim, no voto do presente Recurso Especial, além de corroborar com o entendimento das súmulas 179 e 271, houve a incidência do artigo 314 do Código Civil, o qual afirma que “Ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou”.
Deste modo, o exposto firmou a tese de que o depósito judicial na fase de execução extingue a obrigação do devedor, dentro dos limites do valor depositado. Vejamos o teor:
“Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”.
Ainda assim, se percebe que a presente tese não mencionava expressamente acerca da mora do devedor, gerando ainda discussões acerca da incidência da mora, como foi o caso do REsp 1.475.859/RJ. Logo, no intuito de revisar a tese firmada, na data de 19/10/2022 houve o julgamento do REsp 1820963/SP , no qual a Ministra Nancy Andrighi deu provimento e atenção no tocante à aplicação dos juros moratórios, perfazendo nova tese do Tema 677 e concluindo que o depósito em garantia não isenta o devedor da mora. Vejamos o teor:
“Na fase de execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente de penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários da sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial”.
Apesar de haver nova firmação da tese em epítome, o presente Tema 677 ainda não transitou em julgado. Não obstante, alguns magistrados aplicam levando em consideração a nova tese, enquanto outros aplicam o entendimento anterior. Em alguns casos, há magistrados que suspendem o feito até que o Tema transite em julgado.
É importante esclarecer que há entendimentos em que a nova tese se aplica para depósitos em garantia após a data do julgamento, qual seja, 19/10/2022, não retroagindo os efeitos para os depósitos efetuados em data anterior, ocasionando o efeito ex nunc.
Logo, nos casos dos Expurgos Inflacionários mencionados no início, caso a instituição financeira tenha efetuado o depósito em garantia na data de 29/05/2015, por exemplo, se fomos considerar o efeito não retroativo, o Tema 677 não se aplica, ou seja, não haverá a incidência dos juros de mora.
Atualmente, o tema é amplamente discutido nos tribunais e a não há um consenso, como por exemplo nos julgamentos do AI: 22930526620228260000 e AI 2305098-87.2022.8.26.0000, no Tribunal de São Paulo, em recentes decisões, que entende pela não incidência. Em contrapartida, até mesmo dentro do TJSP, na decisão da AC: 00001167519938260220, o entendimento é pela incidência, assim como no TJMS, conforme AI: 14090297920238120000.
V – CONCLUSÃO
Portanto, a ideia principal do Tema 677/STJ incumbe na incidência da mora do devedor sobre o valor do depósito em garantia, não se limitando apenas na correção monetária. Com a firmação da nova tese, é plausível afirmar que o depósito judicial não cessa a incidência de mora, visto que neste caso caberá ao exequente em atualizar os valores juntamente com os juros moratórios e apurar o saldo remanescente para que o executado pague, ocorrendo assim a extinção da execução com fulcro no art. 924, inciso II, do CPC.
Destarte, cabe reiterar que há casos em que os magistrados aplicam a tese no caso concreto, enquanto outros prezam pelo entendimento adverso, conforme os julgados demonstrados acima. Sendo assim, as instituições financeiras prezam pelo seu afastamento, pleiteando pela suspensão do feito até que o presente Tema transite em julgado, uma vez que a mora possui caráter punitivo, conforme o teor dos arts. 394 e 395 do Código Civil.
Sobre o autor:
Caio Garritano – Formado em direito pela Universidade Cidade de São Paulo e atua no Vigna Advogados Associados