Coface prevê queda de 6,5% no PIB em meio a ambiente político conturbado

Confira análise de Patricia Krause, economista-Chefe da seguradora especialista em crédito

Sabemi

Desde que o primeiro caso de Covid-19 foi registrado no Brasil, no dia 26 de fevereiro 2020, o vírus se espalhou em todos os estados do país. No dia 11 de maio 2020, o Brasil tinha 162.699 casos confirmados e 11.123 mortes. Mas, vale ressaltar que, devido aos testes limitados, o número de casos pode ser substancialmente maior (dificultando traçar uma trajetória precisa da evolução do vírus no País). Além disso, a má gestão da propagação do vírus coloca o País não apenas como epicentro em nível regional, mas também quando comparado a outros países emergentes.

Considerando o último grupo, em termos de casos confirmados, o Brasil fica atrás só da Rússia, enquanto lidera o ranking em termos de mortes. Além disso, como se a batalha do Covid-19 não fosse suficiente, o ambiente político do País piorou. No dia 16 de abril 2020, em meio à pandemia, o presidente Bolsonaro demitiu seu popular  ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, por causa de fagulhas sobre a gestão de crises em saúde. O ex-ministro defendeu o isolamento social, enquanto Bolsonaro subestimou o Covid-19, defendendo o isolamento apenas para os grupos de risco. Após uma semana, o País acompanhou mais um confronto político que novamente desviou o foco da emergência de saúde. No dia 24 de abril 2020, o ministro da Justiça, Sergio Moro, conhecido por seu trabalho anterior como juiz envolvido na Operação Lava-Jato, renunciou e acusou Bolsonaro de tentar interferir nas investigações da Polícia Federal. De maneira geral, os fatores mencionados aumentaram o grau de incerteza em relação à governabilidade, ao cenário de crescimento e à dinâmica da dívida pública.

Por quê?

Desde a crise de 2015-2016, quando a economia sofreu uma queda de 6,8%, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil não decolou (subiu de 1,1% em 2019). No início de 2020, a perspectiva foi um pouco mais otimista impulsionada pela ideia que a aprovação da tão necessária reforma previdenciária de outubro de 2019 melhoraria a confiança na economia e abriria o caminho para outras reformas pró-negócio (como a reforma tributária e a redução da rigidez dos gastos públicos).

No entanto, a atividade econômica no início de 2020 permaneceu no mesmo nível baixo (PIB subiu aproximadamente 0,6% em fevereiro 2020 ou 0,66% – no acumulado em 12 meses).

Com relação às medidas de contenção do surto e mobilidade da Covid-19, na ausência de medidas nacionais, os governos estaduais começaram a impor bloqueios a partir da segunda quinzena de março 2020. Isso criou atritos entre Bolsonaro e os governadores, mesmo após o judiciário garantir o direito dos governadores de implantar medidas de isolamento. De fato, a falta de coesão política entre as autoridades ajuda a explicar a aderência relativamente fraca ao lockdown e, portanto, o aumento exponencial dos  casos.

De acordo com o rastreador de tendências de mobilidade da Apple, no dia 9 de maio 2020, a movimentação de pedestres estava apenas 47% abaixo do nível pré vírus no País. Como referência, isso é bem menos do que podemos observar no país vizinho como a Argentina (-75%), que relatou a primeira morte antes do Brasil, mas se saiu muito melhor ao achatar a curva de contágio (6.034 casos e 305 mortes no dia 11 de maio 2020). Além dos indicadores preliminares de alta movimentação para o período Covid-19, houve uma forte contração.

A produção industrial caiu de 9,1% mês-após-mês em março, a segunda queda mais acentuada da história da série (logo acima de maio de 2018, quando uma greve de caminhoneiros atingiu o País). Paralelamente, a produção de veículos caiu 99% ano-após-ano em abril 2020, indicando uma queda ainda mais acentuada do total da produção industrial nesse mês em comparação a março. Finalmente, o índice de vendas no varejo chamado IGet (com base em dados de transações com cartão de crédito e débito) indica que as vendas oficiais no varejo mais amplas, que incluem materiais de construção e veículos, diminuíram 29,4% mês-após-mês e 41,1% ano-após-ano em abril 2020.

Riscos

Semelhante a outras economias emergentes, o mercado financeiro brasileiro foi duramente atingido pela crise de Covid-19. As saídas líquidas de carteira de investidores estrangeiros do Brasil acumularam US$ 23,4 bilhões nos primeiros quatro meses do ano e o Real (BRL) desvalorizou em cerca de 40% em relação ao dólar (USD). De um lado, o desempenho negativo acumulado acima do ano anterior é suavizado pela posição externa relativamente forte do Brasil (o governo é um credor líquido em moeda estrangeira e as reservas cambiais cobrem aproximadamente 24 meses de importações). Do outro lado, existem vários riscos adicionais:

  • Incerteza quanto à duração da crise de Covid-19: claramente, quanto mais extensa, pior será o impacto na atividade. Como mencionado anteriormente, a falta de uma política nacional clara para combater o vírus tem sido prejudicial. De fato, como o sistema de saúde está considerável sob tensão, os estados estenderam seus bloqueios e, em alguns casos, fortaleceram ainda mais os controles.
  • Medidas agressivas de estímulo fiscal e sustentabilidade da dívida: as medidas de estímulo anunciadas até o momento representam cerca de 8% do PIB, das quais o impacto direto no déficit primário de 2020 é estimado em 4,8% do PIB. Embora a crise inesperada e aguda exija uma rápida resposta contra cíclica dos políticos, isso certamente agravará a já fraca trajetória das contas públicas (a dívida pública bruta atingiu 78% do PIB em março 2020). Além disso, o legislativo aprovou um pacote de ajuda financeira aos estados e municípios para lidar com as perdas de receita tributária durante o período de Covid-19 (totalizando aproximadamente 1,7% do PIB). Por fim, a erosão das perspectivas fiscais (e consequente aumento do prêmio de risco) poderia limitar o espaço/silenciar a eficácia da atual política monetária de flexibilização do banco central (taxa de política atualmente no mínimo histórico de 3% p.a.).
  • Ambiente político deteriorado ameaça a agenda de reformas e no pior cenário de risco poderia levar a um processo de impeachment: Após a acusação de Moro, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu uma investigação. Como parte da investigação, Moro testemunhou na Polícia Federal e afirmou que, em uma reunião dois dias antes de sua demissão, Bolsonaro solicitou a substituição do diretor da polícia federal e pediu acesso aos relatórios de inteligência. No dia 8 de maio 2020, a Advocacia Geral da União entregou ao STF o vídeo da reunião mencionada (o conteúdo está atualmente em sigilo). O cronograma de investigação ainda é incerto. Entretanto, enquanto isso, Bolsonaro está trabalhando para melhorar sua base aliada no congresso (o Legislativo pode destituir um presidente por maioria de dois terços em ambas as casas). Bolsonaro ofereceu posições em seu governo a alguns partidos do ‘Centrão’ ideologicamente vazios. Finalmente, porém importante, seu índice de aprovação, embora em declínio, ainda está em um nível decente. Segundo a pesquisa XP/Ipespe, a soma de pessoas que consideraram o governo bom ou ótimo caiu de 31% no dia 24 de abril 2020 para 27% no dia 30. Como referência, quando a ex-presidente Dilma Roussef foi cassada, em 2016, seu índice de aprovação era de 8%. No entanto, à medida que os efeitos negativos da crise se tornam mais visíveis e as quarentenas começam a diminuir, o descontentamento com o governo pode aumentar ainda mais.