Luís Fernando Bueno Garcia*
Além dos impactos imediatos e diretos na economia após a divulgação de um caso como o da Americanas, os impactos indiretos também são relevantes e alguns deles podem resultar no acionamento das apólices securitárias, como o seguro de crédito e os seguros de Responsabilidade Civil, no ramo de linhas financeiras, notadamente o E&O – Errors and Omissions e D&O – Directors and Officers. Ou seja, é fato que acontecimentos como este podem resultar em sinistros que venham a ser reclamados em diversas apólices, como de seguro de crédito em favor de credores das Americanas que venham a ter seus créditos inadimplidos ou seguros garantia eventualmente tomados pelas Americanas, relativos a contratos garantidos que, de igual modo, sejam por ela descumpridos, entre outros, o que pode ocasionar impacto bilionário no mercado segurador. De toda forma, os seguros E&O e D&O vêm ganhando maior notoriedade frente a estes acontecimentos.
Na primeira modalidade – E&O (que eventualmente possa vir a ser acionada pela empresa de auditoria responsável pelos números validados das Americanas) – deve haver o reconhecimento da responsabilidade civil do segurado pelo ato praticado, a partir do desempenho de suas atividades profissionais. Já na segunda modalidade – D&O (contratada pela empresa – tomadora – em favor dos seus executivos que praticam atos de gestão – segurados) – deve haver a responsabilização dos diretores e administradores da empresa, exclusivamente na prática de atos de gestão.
Há diferenças consideráveis entre os seguros de E&O e D&O. A rigor, enquanto o E&O se volta a garantir riscos advindos da responsabilidade civil profissional do segurado, o D&O cobre prejuízos causados a terceiros, oriundos de atos de gestão praticados culposamente por diretores e administradores. De toda forma, é sempre relevante ressaltar que atos praticados mediante culpa grave (equiparada ao dolo) ou dolo não estão cobertos pelos seguros, como prática de insider trading, fraude contábil e outros.
A maioria das contratações dos seguros referidos acima se dá a partir de apólices à base de reclamação (claims made basis). Assim, além da necessária observância das regras de cobertura e riscos excluídos constantes de seus clausulados, é imprescindível que os requisitos das apólices estejam preenchidos para fins de acionamento, notadamente, (i) que a data da reclamação formulada pelo terceiro prejudicado esteja dentro da vigência do contrato ou prazos adicionais contratados, se o caso e (ii) que a prática do fato gerador esteja abarcada pela vigência da apólice ou pelo período de cobertura retroativa.
Neste ponto, merece destaque outra característica relevante da apólice D&O que, na maioria das vezes, pode contar com cobertura retroativa ilimitada para ‘atos desconhecidos’. Nesse cenário, qualquer comprovação de ciência dos diretores e/ou administradores a respeito da prática de atos que possam redundar em prejuízos a terceiros, com a consequente formalização de reclamação, resultará na ausência de cobertura securitária.
As apólices D&O também podem contar com a contratação de cláusula de notificação – mecanismo que possibilita ao segurado noticiar à seguradora um fato que pode resultar em prejuízos de terceiros e, consequentemente, em reclamações de indenizações, antes mesmo de elas serem formalizadas. Assim, a partir da divulgação do fato relevante, e mesmo que a empresa ainda não tenha sido demandada formalmente, podem os segurados, se houver contratação da cláusula de notificação, notificar suas seguradoras para fins de demarcação da competência do contrato que poderá cobrir seus prejuízos. Esse movimento, além de se coadunar com os deveres de informação, colaboração, cooperação, todos anexos ao princípio da boa-fé objetiva, também possibilita ao segurado o acionamento das coberturas acessórias, como custos de defesa.
O que se depreende, portanto, é que embora as empresas possuam outros mecanismos de mitigação de riscos, como compliance, treinamentos e governança corporativa, sempre estarão sujeitas a eventos como este trazido ao conhecimento do mercado pelas Americanas. Isso revela a importância dos seguros aqui mencionados para fins de mitigação de riscos e minimização de perdas, sendo mandatório às partes contratantes o conhecimento das regras aplicáveis e a manutenção de uma boa comunicação ao longo da execução contratual.
*Luís Fernando Bueno Garcia é sócio do escritório Schalch Sociedade de Advogados (SSA) e especialista em Direito Securitário