Quem vai pagar a conta das fraudes na saúde suplementar?

Com um prejuízo operacional acumulado de R$ 11,5 bilhões em 12 meses, o maior em mais de duas décadas, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), nunca se falou tanto em fraudes, embora não tenham tido início apenas agora. Nesse contexto, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) lançou uma campanha para conscientizar a sociedade sobre os problemas e riscos que as fraudes representam a todo o sistema de saúde suplementar. Entretanto, há uma outra palavra – ou conceito – que carece ser debatida à exaustão, sobretudo diante desse cenário: mutualismo, que define as bases de todas as operações de seguros.

O mutualismo é uma associação entre membros de um grupo no qual as contribuições são utilizadas em prol dos próprios participantes. Ou seja, está relacionado à união de esforços de muitos em favor aleatório dos integrantes do grupo. Porém, mais do que saber o seu significado, é preciso entender que não há nada que um beneficiário faça que não impacte todo o grupo, composto pelos mútuos.

A quebra do mutualismo, em outras palavras, pode indicar que qualquer fraude cometida será dividida, ou melhor, impactar, todos os segurados de um determinado grupo. Os riscos e prejuízos decorrentes das fraudes afetam a todas as empresas do setor, sejam seguradoras, clínicas ou hospitais, que podem colapsar e deixar de prestar um serviço valioso à sociedade e ao próprio segurado, que terá que arcar com o prêmio mensal mais alto como consequência do uso indevido ou fraudulento do seguro saúde por alguns.
Evidentemente, já há leis e meios que nos permitem punir os fraudadores, seja na instancia cível ou criminal. Mas o impacto causado na quebra ao mutualismo diante do mau uso dos planos de saúde por fraudadores é o que precisa ser combatido, sob risco de se colocar todo o sistema de saúde em risco.

A pandemia de Covid-19 ampliou o número de segurados/beneficiários de planos de saúde, que hoje totalizam mais de 50 milhões de pessoas, mas tal aumento em nada garantiu o retorno de um resultado melhor às operadoras e seguradoras de saúde, muito pelo contrário. As fraudes estão corroendo uma atividade essencial à sustentabilidade da saúde da sociedade, inclusive em apoio ao SUS. O que seria motivo para comemoração, segue, portanto, em sentido inverso: as operadoras e seguradoras de saúde registraram prejuízo operacional de R$ 5,5 bilhões nos últimos três meses de 2022, de acordo com a ANS.

No entanto, o rombo é ainda maior. Dados do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) apontavam, já em 2017, para valores superiores a R$28 bilhões com gastos das operadoras médico-hospitalares do país com contas hospitalares e exames consumidos indevidamente por fraudes e desperdícios com procedimentos desnecessários, muitos deles falsamente lastreados em brechas e permissivos decorrentes de novos marcos legais e/ou regulatórios. Resultado: as contas simplesmente não fecham.

Esse movimento tem feito com que as seguradoras e operadoras de saúde, dia a dia, se empenhem em demonstrar o quão lesivas são as fraudes. As companhias estão investindo cada vez mais em tecnologias de reconhecimentos facial e vocal, entre outros recursos, tudo com o propósito de garantir um adequado acesso do segurado ao serviço/produto contratado. A fim de coibir a contratação ou utilização fraudulenta, tem-se que a Inteligência Artificial é utilizada no cruzamento de dados, até mesmo entre as seguradoras e operadoras de saúde.

Quem irá pagar por tudo isso? Todos. As operadoras arcarão – até onde puderem, pois cerca de 80% delas são de pequeno porte – com prejuízos consecutivos, porque os recursos são finitos; e os beneficiários, que, possivelmente, não conseguirão pagar as despesas de um plano médico, dentre outros participantes desse sistema de saúde suplementar.

Ao fechar as portas, as operadoras deixam de dar atendimento e suporte à saúde de um grande contingente de pessoas, numa ponta, e, na outra, colocam ‘na rua’ um grande contingente de médicos, colaboradores, corretores, parceiros, dentre outros profissionais ligados à rede assistencial.

Portanto, falar sobre ameaças à sustentabilidade do negócio das operadoras e seguradoras de saúde deveria servir de alerta a todos os envolvidos: seguradoras/operadoras, beneficiários, corretores, hospitais, clínicas, laboratórios e, ainda, sistema público de saúde. Mesmo com a relevância do SUS, o que ficou patente durante a pandemia, evidente a relevância da saúde suplementar, ainda mais num país com mais de 200 milhões de habitantes, sendo que destes, 33,3 milhões não têm qualquer acesso à saúde básica. Isso deveria ser, no mínimo, preocupante. Ou ainda há dúvidas de que o SUS não suportaria mais 50 milhões de pessoas?

 

*Fabiano Catran é diretor Institucional e de Clientes da Seguros Unimed