(*) Thiago Kovtunin é Head de Produtos de Saúde da Neurotech

MAPFRE

O surgimento dos primeiros indícios de uma trajetória de êxito no combate às fraudes cometidas contra as operadoras de saúde no Brasil deve ser celebrado. Mas a comemoração não pode dar lugar à acomodação. Muito pelo contrário. Agora o momento é de avançar em conjunto com a evolução da Inteligência Artificial para alcançar patamares ainda mais elevados.

Um dos principais sinais de que o percentual relativo de fraudes versus receita pode ter finalmente chegado a um ponto de inflexão é a comparação entre dois dos importantes estudos publicados a respeito do assunto.

Recentemente, a PwC Brasil revelou os resultados da pesquisa “Fraude no sistema de saúde brasileiro” que trouxe como uma de suas principais constatações a informação de que os golpes e abusos representam até 10% da receita anual das operadoras de planos de saúde no país.

Apesar de ainda ser um nível muito elevado, esse indicador revela uma redução se comparado ao já bastante conhecido “Fraudes e Desperdícios em Saúde Suplementar”, realizado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). Esta sondagem, que se tornou referência para o setor, afirmava que em 2022, as manobras para enganar os sistemas causavam um prejuízo pouco superior a 12% das receitas das empresas que atuam nesta indústria.

Se de grosso modo é possível estimar uma redução de dois pontos percentuais, também é necessário entender que se trata de uma evolução tímida que aponta para o fato de que ainda há muito a fazer para evitar que a beleza do mutualismo seja desconfigurada prejudicando algo que vai muito além de cifras e lucros, que é a garantia do acesso à saúde suplementar para as futuras gerações. Sem contar que o fraudador, infelizmente, também se adapta e busca outras formas de seguir com suas atividades ilícitas.

Na segunda metade do período de pandemia da COVID-19, o reembolso se tornou assunto relevante em discussões sobre abusos e fraudes na saúde suplementar. Basta constatar que em 2023, segundo um levantamento realizado pela consultoria Mercer Marsh, os reembolsos representaram, em média, 14% das despesas assistenciais (sinistros) das operadoras de saúde suplementar no Brasil. Esse percentual marca um aumento significativo em relação aos 9,5% registrados em 2019.

Diante desse cenário, algumas das grandes operadoras têm adotado medidas para conter os custos com reembolsos, incluindo a oferta de planos com limitações desse benefício. Além disso, há um esforço crescente na implementação de tecnologias, como a inteligência artificial, para identificar padrões suspeitos e prevenir fraudes relacionadas aos reembolsos.

A tendência é de que as operadoras continuem investindo em soluções tecnológicas e estratégias de gestão para equilibrar a oferta de serviços aos beneficiários e a sustentabilidade financeira do setor. Segundo o estudo “Mercado de detecção de fraudes em saúde”, feito pelo SNS Insider, os investimentos globais para ampliar a segurança contra golpes no setor devem saltar de US$ 2,54 bilhões em 2023 para US$ 15,36 bilhões até 2032, crescendo a um ritmo de  21,66% a cada ano. 

Mas para avançar de forma exponencial na missão de proteger o ecossistema da saúde suplementar é necessário não nos limitarmos ao reembolso. Afinal, se essa alternativa representa cerca de 14% dos sinistros das operadoras, é preciso ferramentas e investimentos para se proteger também nas outras jornadas e consequentemente nos outros 86%.

Para isso, além de continuar aplicando as técnicas de identificação de fraudes em imagens em processos de reembolsos, é crucial expandir a mesma lógica para jornadas como avaliação de contas médicas e autorizações prévias, agora também é o momento de agregar análises comportamentais por meio de IA somando a este processo dados externos aos já existentes nas operadoras. Dessa forma, a plataforma antifraudes ganha uma visão muito mais profunda.

Avaliando o universo gigantesco de dados não estruturados fica nítido o fato de que existe mais espaço para pioneirismo e firmeza contra as fraudes. O cenário se mostra perfeito para a inclusão da IA Generativa, não pelo hype, mas pela oportunidade real de gerar resultados relevantes para a missão.

Soluções neste conceito já estão ajudando a avaliar cenários, simulando o comportamento humano, seja para sanar dúvidas a respeito de um contrato com prestadores, seja para avaliar a pertinência clínica de um pedido de autorização prévia, ou ainda sanando em tempo real uma dúvida de um beneficiário enquanto ele está no SAC.

Além de IA “tradicional”, e da IA generativa, começam a ser utilizados em mais larga escala mecanismos mais simples e tão efetivos quanto, como motores de regra combinados a dados externos e interfaces amigáveis que ajudam os operadores a tomarem decisões quando o processo automatizado não consegue ou não deve fazer as escolhas sozinho. 

O ataque completo a todas as formas de fraudes e desperdícios na saúde suplementar, implica na necessidade da combinação de técnicas e ferramentas levando o setor diretamente para o conceito da IA Multimodal, que se caracteriza por um modelo que processa ao mesmo tempo textos, imagens e dados estruturados e não estruturados sobre o comportamento do usuário, dos prestadores de serviço e demais envolvidos a fim de tornar o processo ainda mais ágil e preciso na identificação de fraudes. Sem falar que o usuário lícito deve ter seu retorno com agilidade e coerência.

Este conjunto de práticas já viabiliza a ampliação das análises, durante o streaming de dados,  nas diversas jornadas, promovendo detecção quase instantânea.

A história do combate aos crimes digitais ao longo do tempo já comprovou a necessidade de o mundo corporativo sério e responsável imprimir o máximo de esforços de toda ordem para estar sempre um patamar à frente dos golpistas e a saúde complementar não é exceção. Isso porque osfraudadores também têm acesso à tecnologia.

Desta forma, é fundamental que a resposta do setor seja não só baseada em tecnologia, mas sim na mais moderna e emergente tecnologia possível aliada a dados que o fraudador não tem acesso. Assim poderemos alcançar um patamar de uma inteligência decisória que, finalmente, coloque as empresas um passo à frente em relação aos truques que os fraudadores possam tentar aplicar.