Lidar com a saúde mental ainda é um tabu para as lideranças.

Lidar com a saúde mental ainda é um tabu para as lideranças.

Confira o artigo escrito por Ana Carolina Conduta Losco, Vice Presidente de Benefícios na Howden Harmonia Corretora de Seguros

Sabemi

A pandemia alavancou um alerta maior às empresas sobre a saúde mental e o bem-estar, não só no Brasil, mas em diferentes países. O mundo todo está sofrendo esse impacto e, doenças como depressão, ansiedade e outros transtornos são preocupações crescentes, também para as empresas. Como líder da área de Benefícios de uma empresa global, tenho observado o comportamento das corporações nesse sentido e como estão lidando com esse tema tão importante.

Depressão e ansiedade são assuntos sérios. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é considerado o País mais ansioso do mundo e o quinto mais depressivo. A ansiedade afeta 18,6 milhões de brasileiros e os transtornos mentais são responsáveis por mais de 1/3 do número total de incapacidade nas Américas. Mesmo com dados tão alarmantes, muitas pessoas não procuram ajuda ou não encontram assistência médica adequada.

Uma das reflexões que considero essenciais para esse tema é estrutural, ou seja, lidar com a saúde mental ainda é um tabu para as lideranças, começando pela presidência e pela diretoria das empresas e chegando aos gestores e líderes. A cultura, o ambiente, a exigência de alta performance constante e regular, e o foco incessante nos resultados – com a leitura de que eles só são conquistados com uma carga horária que extrapola os limites da normalidade – são fatores que influenciam diretamente na saúde física e mental dos colaboradores, tornando ineficazes quaisquer políticas de apoio psicológico ou outras iniciativas nesse sentido.

Vale lembrar que o indivíduo é um ser único e recebe toda a carga emocional do ambiente e das circunstâncias em que vive, como um verdadeiro bioma. Portanto, um ambiente de trabalho tóxico aumenta a incidência de transtornos de saúde mental e diminui a produtividade. Não é à toa que a procura por terapias, coachs, meditação e outras ferramentas que contribuam para um melhor entendimento do comportamento humano através da neurociência vêm aumentando. A saúde mental se tornou o tema central na maioria das empresas, mas ainda é tratado apenas como consequência da pandemia por grande parte dos empregadores.

Será que as empresas estão realmente preparadas para mudar os perfis de gestores e alcançar a produtividade máxima dos colaboradores oferecendo um ambiente de trabalho sadio? Outra área a ser observada é a cultura de trabalho: é preciso saber se ela também está contribuindo para os altos níveis de estresse e ansiedade.

As reuniões virtuais, consagradas pelo trabalho remoto, têm contribuído para diversos efeitos colaterais, como dores de cabeça ou nos olhos, sensação de esgotamento após as videochamadas e, em alguns casos, depressão e ansiedade. Um estudo com mais de 10 mil pessoas, realizado por especialistas das universidades de Stanford, nos Estados Unidos, e de Gotemburgo, na Suécia, constatou que as mulheres são as que mais sofrem com essa superexposição: uma entre sete mulheres se declarou muito ou extremamente cansada após as reuniões virtuais, enquanto apenas um entre 20 homens se declarou afetado por essa fadiga física e emocional. A chamada “fadiga do Zoom” tem gerado consequências nas dimensões física, social, emocional, visual e motivacional, em especial nas mulheres. Nelas, a carga mental é ainda pior, já que precisam conciliar o trabalho com as tarefas domésticas, cuidados com a família e com o medo de contágio pelo coronavírus.

A prevenção e a intervenção precoce são fundamentais, mas reduzir o estigma também é importante quando se fala sobre saúde mental ou se pede ajuda. É necessário desenvolver e incorporar uma estratégia de apoio à saúde mental robusta, que promova a abertura em torno desse tema e ofereça suporte para o ativo mais valioso que uma empresa possui: seus funcionários. É preciso oferecer, diariamente, a oportunidade para os empregadores demonstrarem as medidas que estão tomando para garantir que esse tema esteja em alta nas agendas da diretoria e das lideranças, e como isso está inserido nos valores da empresa.

Muitas vezes, os empregadores têm programas de saúde mental em vigor, mas os funcionários não sabem para onde ir ou se sentem desconfortáveis ​​ao perguntar. Então, focar na comunicação em torno do apoio à saúde mental é fundamental. Criar um ambiente de trabalho onde as pessoas se sintam confortáveis ​​e confiantes para adotar uma abordagem proativa e buscar apoio faz parte de uma cultura aberta. Garantir que as pessoas saibam como acessar a ajuda também é vital.

O foco tem sido fornecer treinamento contínuo para gerentes e alta gestão, o que é visto como essencial, pois permitirá que eles identifiquem sinais de pessoas passando por estresse, transtornos de saúde mental ou apenas precisando falar, e ofereçam intervenções precoces para que os problemas não aumentem. Porém, precisa ser feito mais com relação ao treinamento de funcionários também. Incorporar o treinamento de gerentes, da alta gestão e dos funcionários às políticas da empresa não só aumentará a conscientização entre os funcionários, mas também permitirá que os colegas identifiquem os riscos, sinais e sintomas dentro de si mesmos, incentivando-os a adotar uma abordagem proativa e buscar uma intervenção precoce.

As opções para empregadores que procuram serviços para incluir em sua estratégia de bem-estar mental incluem a oferta de aconselhamento e primeiros socorros em saúde mental. Os Programas de Benefícios devem contemplar o acesso ao atendimento psicológico de forma ampla, seja ele presencial ou virtual, estando ao alcance de todos. Porém, é necessário considerar também as áreas que afetam a saúde mental e o bem-estar em geral, como a saúde financeira, a alimentação, o consumo de álcool e tanstornos do sono, para desenvolver programas que lidem com essas questões específicas.

Agora é a chance dos empregadores definirem como oferecerão maior flexibilidade para harmonizar o trabalho e a vida pessoal de seus funcionários, para que possam continuar trabalhando em um modelo híbrido ou voltar ao presencial. Certamente, essas mudanças também trarão um impacto e o amparo da empresa será mais do que necessário.

Já percorremos um longo caminho, mas é preciso fazer mais para garantir que a saúde mental e o bem-estar se tornem parte da cultura do dia a dia da empresa. O primeiro passo é que os empregadores entendam melhor seu pessoal, a cultura e o ambiente de trabalho.

Obviamente que, quando se trata de cuidar da saúde mental dos funcionários, sempre haverá uma discussão em torno dos custos. Mas, em vez de perguntar se os empregadores podem se dar ao luxo de implementar uma estratégia, a verdadeira questão deve ser: os empregadores podem se dar ao luxo de não fazê-lo?

A Organização Mundial da Saúde diz que, para cada US$ 1 investido em tratamento intensivo para transtornos mentais comuns, há um retorno de US$ 4 em melhoria da saúde e produtividade. Portanto, a questão não é se a empresa pode investir na saúde e no bem-estar dos funcionários, mas o que acontecerá se não investir?