Tipagem do antígeno leucocitário humano (HLA) ajuda a identificar doadores de medula óssea, com 25% de chance de dois irmãos serem completamente compatíveis
O teste genético pré-implantação para doenças monogênicas (PGT-M) permite a seleção de embriões saudáveis compatíveis com HLA de irmãos afetados. No entanto, seu uso na América Latina permanece limitado por fatores como falta de conhecimento e custos
Nos últimos anos, a medicina reprodutiva avançou significativamente, permitindo não só a prevenção de doenças genéticas hereditárias antes do nascimento do bebê, mas também a identificação de embriões compatíveis para doação de medula óssea a um irmão afetado. Isso é possível graças à técnica conhecida como tipagem do antígeno leucocitário humano (HLA), que permite identificar doadores compatíveis com HLA, mesmo antes do nascimento. Somado a isso, o teste genético pré-implantação para doenças monogênicas (PGT-M) permite identificar embriões livres da doença e compatíveis com HLA de irmãos afetados, reduzindo assim o risco de rejeição por parte do receptor.
Isso porque o corpo está cheio de células com marcadores únicos – chamados HLA – em sua superfície. Esses antígenos ajudam o sistema imunológico a reconhecer quais células pertencem ao organismo e quais são intrusos, como vírus ou bactérias. “A tipagem do HLA possibilita descobrir a impressão digital de nossas células”, explica Daniela Lorenzi, assessora científica do laboratório Igenomix Argentina, do Vitrolife Group.
Daniela Lorenzi é a autora principal de estudo que apresentou uma revisão dos casos de tipagem HLA na América Latina e avaliou o sucesso clínico em termos do número de embriões disponíveis para transferência para o útero materno em tratamentos de Fertilização In Vitro (FIV). Por seu caráter inovador, a pesquisa foi selecionada para apresentação oral na 22ª edição da Conferência da Sociedade Internacional de Diagnóstico Genético Pré-implantação (PGDIS), realizada em abril em Leuven, na Bélgica. O evento é dedicado à discussão e apresentação de avanços na área da genética pré-implantacional, com foco em diagnóstico e tecnologias aplicadas à reprodução assistida.
O transplante de células-tronco hematopoiéticas, também conhecido como transplante de medula óssea, consiste em um tratamento no qual as células sanguíneas doentes ou deficientes são substituídas por células saudáveis, restabelecendo assim o sistema imunológico e a produção de sangue. Desta forma, é indicado para doenças que afetam a produção de células sanguíneas como leucemias, linfomas, mieloma múltiplo, anemias graves (especialmente anemia aplástica), lúpus, doenças metabólicas como a síndrome de Hurler; alterações genéticas hereditárias como a doença de falciforme, entre outras.

Na prática, o sistema imunológico reconhece as proteínas HLA como marcadores que pertencem à pessoa. Se houver incompatibilidade, o sistema imunológico do receptor pode atacar as células do doador (rejeição) ou as células do receptor podem atacar as células do doador. “A probabilidade de se ter um irmão HLA idêntico é de cerca de 25%, enquanto a chance de encontrar um doador não relacionado com a família por meio de registros nacionais e internacionais é extremamente pequena”, explica Daniela Lorenzi.
ENTENDA CADA PASSO
- O PGT-M pode ser utilizado em transplantes de medula óssea para garantir a compatibilidade HLA entre o doador e o receptor, e assim evitar a rejeição do enxerto. O PGT-M auxilia na seleção de embriões com perfil genético mais adequado para o transplante, otimizando as chances de sucesso do procedimento. O DNA do casal e dos membros da família são analisados para identificar a mutação genética causadora da doença. Para prevenir a mutação no futuro bebê (que poderá ser doador compatível) é preciso realizar uma Fertilização in Vitro (FIV), que permite o acesso aos embriões do casal.
- Após confecção de uma sonda para análise exclusiva da família, no laboratório de genética, as células biopsiadas do embrião são analisadas para identificar aqueles livres de doença hereditária.
- O embrião livre da mutação será selecionado, para permitir que o bebê nasça livre da doença genética hereditária.
- Embrião saudável é transferido ao útero para nascer livre da mutação genética responsável pela doença hereditária. As futuras gerações, a partir desse bebê, estarão livres do risco da hereditariedade da doença evitada.
AVANÇOS E DESAFIOS NA AMÉRICA LATINA – Embora o primeiro caso bem-sucedido de tipagem HLA por meio de teste genético pré-implantação para doenças monogênicas (PGT-M) em um embrião para fins terapêuticos tenha ocorrido em 2001 e, desde então a técnica tenha evoluído significativamente, o conhecimento sobre esse avanço na medicina é limitado.Com o objetivo de revisar os casos de tipagem HLA na América Latina e avaliar o sucesso clínico em termos do número de embriões disponíveis para transferência para o útero materno em tratamentos de Fertilização In Vitro (FIV) estudo apresentado no PGDIS 2025 apresentou os dados coletados entre 2017 e 2024.
De 944 casos realizados no Brasil e Argentina, 68 foram HLA compatíveis, o que representa 7,2% dos casos, em um total de 44 pacientes. Os ciclos de PGT-M/HLA foram realizados nos laboratórios da Igenomix na América Latina, sendo 66 do Brasil e 2 da Argentina. Nenhum caso de tipagem HLA foi registrado no Chile, Peru, México e Colômbia. A média de idade materna das participantes foi de 34,9 anos.
Para os procedimentos de tipagem HLA, houve apenas 6 ciclos de PGT-M, principalmente para leucemia. Em relação aos casos de tipagem HLA, com exclusão de doenças monogênicas, os casos foram realizados principalmente para doenças autossômicas recessivas (94% para o gene HBB). Ao todo, foram analisados 35 blastocistos. Deles, 22,9% (8/35) eram compatíveis com HLA, mas apenas 8,6% (3/35) também eram euploides (com número correto de cromossomos), evidenciando a importância da análise complementar no embrião para avaliação de cromossomos (teste de PGT-A), com o objetivo de prevenir falhas de implantação e perda de embriões.
O trabalho também mostrou que nos casos de tipagem HLA combinada com exclusão de doenças monogênicas, apenas 11,5% (50/434) eram euploides e adequados para transferência. No geral, o número médio de embriões analisados por casal foi de 10,6, sendo que 53 embriões (11,3%) eram adequados para a transferência: 30 casais (68,2%) tinham pelo menos um embrião para a transferência. Paralelamente, 14 casais (31,8%) não conseguiram transferência de embriões e abandonaram o tratamento ou a reprodução assistida.
A conclusão dos autores é que o PGT-M pode ser valioso para alcançar uma gravidez com compatibilidade HLA em um filho afetado. “É muito significativo que 30 casais, ou seja, 68% de nossa amostra, tiveram pelo menos um embrião para transferir. Demonstra que este tipo de investigação pode ser uma opção muito valiosa para o futuro de muitas famílias. Todavia, a baixa taxa de indicação na América Latina, comparado com a média mundial, é preocupante”, alerta Daniela Lorenzi.
Com exceção do Brasil, o uso se mostrou limitado na América Latina, possivelmente devido principalmente à falta de conhecimento sobre sua disponibilidade, mas também aos custos dos tratamentos de fertilização in vitro e testes genéticos, à necessidade de muitos embriões para garantir uma compatibilidade adequada e às questões éticas relacionadas à seleção de embriões.